Publicado em 8 abr 2025
Vaping, Smoking and Lung Cancer Risk
Título do Estudo
Vaping, Smoking and Lung Cancer Risk
Fonte
Journal of Oncology Research and Therapy. Bittoni MA, Carbone DP, Harris RE. Vaping, Smoking and Lung Cancer Risk. 2024;9(3):10229. DOI: 10.29011/2574-710x.10229. Epub 2024 Jul 4. PMID: 39210964; PMCID: PMC11361252.
Introdução
O câncer de pulmão representa a maior causa de morte por câncer no mundo. A associação entre o tabagismo e o desenvolvimento desta neoplasia é bem estabelecida, com um risco atribuível estimado de 87%.
No século XXI, houve um fortalecimento da indústria do cigarro eletrônico (CE), com expansão das suas vendas, baseado na falsa percepção de segurança. A ideia era que o consumo do CE, por envolver a inalação de um aerossol ao invés da fumaça derivada da combustão, garantiria um fornecimento adequado de nicotina, com menor exposição a substâncias tóxicas e carcinogênicas. Seu uso foi inclusive orientado por algumas entidades de saúde com o objetivo de garantir a reposição nicotínica e auxiliar na cessação do tabagismo.
Atualmente, compreendem-se os riscos associados ao uso do cigarro eletrônico, especialmente no que diz respeito à ocorrência de EVALI (do inglês, E-cigarette or Vaping product use-Associated Lung Injury), uma forma de lesão pulmonar aguda potencialmente grave e fatal. Apesar disso, o impacto do uso do CE sobre o risco de desenvolvimento do câncer de pulmão permanece desconhecido.
Métodos
Foi realizado um estudo caso-controle para avaliar o risco de desenvolvimento de câncer de pulmão em usuários exclusivos de cigarro comum (CC) em comparação àqueles que utilizam simultaneamente cigarro comum e cigarro eletrônico.
No Hospital do Câncer Arthur G. James, localizado no Centro Médico Wexner da Universidade Estadual de Ohio foram analisados, entre 2013 e 2021, os registros médicos de 4.975 pacientes com câncer de pulmão (casos). Apenas aqueles com diagnóstico de carcinoma de pulmão confirmado por análise histopatológica foram incluídos, com exclusão de outros tipos de malignidade (linfoma, sarcoma, tumores carcinoides e câncer metastático) da amostra de casos. No mesmo período, os registros médicos de 27.294 pacientes sem câncer (controles), que foram ao centro médico para realização decheck ups, foram acessados. Foi realizado um pareamento na proporção de 5:1 com base na idade, gênero, raça, ano de obtenção dos dados e local de residência. Além dessas variáveis, na avaliação inicial, foram registrados os seguintes fatores de interesse: uso de cigarro comum, uso de cigarro eletrônico e presença de comorbidades (doença pulmonar obstrutiva crônica – DPOC e doença arterial coronariana – DAC).
Resultados
Os grupos eram semelhantes no que diz respeito à idade, gênero e raça. Cerca de metade dos indivíduos era do sexo masculino nos dois grupos e a maioria era branca (88%). A frequência de DPOC e DAC era maior entre os casos (p<0.01).
No que diz respeito ao consumo de cigarro comum e eletrônico, o uso do primeiro foi reportado em 89.3% dos casos e em 37.6% dos controles. Quase dois terços (62.4%) dos controles e somente 10.7% dos casos nunca haviam consumido CC. O uso de cigarro eletrônico era cerca de oito vezes maior entre os casos, quando comparado aos controles (6.3% versus 0.80%, P<0.001). Quase 97% dos usuários de CE reportaram uso concomitante de CC.
A razão de chances (do inglês, Odds Ratio – OR) para o uso combinado de CE e CC foi de 57.8 (IC 95% = 47.4–70.5), aproximadamente quatro vezes maior (p < 0.001) do que a observada para o uso isolado de CC (OR = 13.9, IC 95% = 12.7–15.3) em indivíduos com câncer de pulmão. Como a maioria dos usuários de CE também fumavam CC, não foi possível estimar o risco associado exclusivamente ao CE. Apesar disso, a análise sugere que a combinação das duas formas de tabagismo pode estar associada a um aumento substancial no risco de câncer de pulmão.
Após ajuste das análises para a presença de comorbidades, observou-se que tanto a DPOC (OR=4.5) quanto a DAC (OR=2.3) foram associadas ao câncer de pulmão de forma independente. Com a inclusão dessas variáveis no modelo de regressão logística, a OR estimada para o uso combinado de cigarro eletrônicone cigarro comum foi reduzida em comparação com o uso isolado de CC. Apesar disso, o uso combinado de CE e CC manteve-se associado a um aumento de aproximadamente 3 a 4 vezes na razão de chances para câncer de pulmão, mesmo após ajuste individual para cada comorbidade.
Em relação à distribuição dos casos por gênero e tipo histológico, os seguintes dados foram obtidos: dos 4.975 casos, 55% eram homens e 45% mulheres. O tipo histológico mais comum foi o adenocarcinoma (51.6%), seguido por carcinoma escamoso (32.4%), carcinoma de pequenas células (15.0%) e carcinoma de grandes células (1%). As ORs para adenocarcinoma foram significativamente menores que para carcinoma escamoso (20.2 versus 46.0 para CE combinado ao CC e 4.7 versus 10.8 para CC isolado, P<0.05). Já as ORs para carcinoma de pequenas células e de grandes células, apesar do tamanho amostral menor, foram semelhantes às do carcinoma de células escamosas. Apesar das diferenças entre os subtipos histológicos, todas as ORs indicam um risco 3 a 4 vezes maior de câncer de pulmão para homens e mulheres que combinam cigarro eletrônico e comum, em comparação com usuários exclusivos de cigarro comum, independentemente do tipo histológico.
O uso combinado de cigarro eletrônico e cigarro comum aumentou o risco de câncer de pulmão, mesmo após ajuste para carga tabágica. Fumantes com consumo superior a 40 maços-ano que usavam concomitantemente CE tiveram um risco 3,5 vezes maior que fumantes exclusivos de CC (OR=68.1 vs. 19.8, p<0.001). O mesmo ocorreu para cargas tabágicas inferiores a 40 maços-ano (OR=30.9 vs. 8.8, P<0.001). A OR ajustada para o uso combinado de CE e CC (21.2, IC 95%=15.3–29.3) foi quatro vezes maior do que para CC isolado (5.3, IC 95%=4.1–6.7, P<0.001). Esses achados confirmam que a combinação do CE e CC eleva o risco de câncer de pulmão de 3 a 4 vezes em comparação ao uso exclusivo de cigarro comum.
Conclusões
No presente estudo, foi encontrado que o risco de câncer de pulmão entre aqueles que combinaram cigarro eletrônico com cigarro comum foi quatro vezes maior do que os que fumavam cigarro comum isoladamente, mesmo com ajuste para a carga tabágica e os principais tipos histológicos de câncer de pulmão. Os achados sugerem que o uso combinado aumenta o risco de desenvolvimento desta neoplasia.
Limitações e mensagens do artigo
Dentre as limitações do presente estudo, destacam-se a dificuldade em estabelecer relações de causalidade, por se tratar de um desenho metodológico do tipo caso-controle, além da ausência de um grupo que fizesse uso de cigarro eletrônico isoladamente e da falta de quantificação do tempo e carga de uso do cigarro eletrônico.
Como mensagem principal, esse artigo sugere, pela primeira vez na literatura, de que o uso combinado de cigarro eletrônico e comum (OR=38.7) aumenta significativamente o risco de câncer de pulmão, em comparação ao consumo isolado de cigarro comum (OR=9.6). Resultados separados por gênero e ajustados para carga tabágica e tipos histológicos mostraram consistentemente risco 3–4 vezes maior para quem usa ambos os tipos de cigarro.
Dra. Natália Blanco é pneumologista, médica do Instituto de Doenças do Tórax da UFRJ.