Publicado em 15 nov 2024
Type 2 airway inflammation in COPD
Título do Estudo
Type 2 airway inflammation in COPD
Fonte
Authores: Francesca Polverino1 and Don D. Sin2 – 1 Pulmonary and Critical Care Medicine, Department of Medicine, Baylor College of Medicine, Houston, TX, USA. – 2 Centre for Heart Lung Innovation, St. Paul’s Hospital and University of British Columbia Division of Respiratory Medicine, Vancouver, BC, Canada. – Ao citar o artigo utilizar : Polverino F, Sin DD. Type 2 airway inflammation in COPD. Eur Respir J 2024; 63: 2400150 [DOI: 10.1183/13993003.00150-2024].
Contextualização
A DPOC afeta 400 milhões de pessoas em todo o mundo e representa uma das principais causas de hospitalização e mortalidade. Apesar de historicamente a inflamação ter sido descrita na asma, estudos recentes apontam que aproximadamente um terço dos pacientes portadores de DPOC apresentam inflamação tipo 2. Nestes pacientes esta inflamação pode ser um componente importante do processo de doença sendo um alvo terapêutico a ser explorado.
As células imunes e as moléculas que participam da inflamação tipo 2 na DPOC podem ser diferentes daquelas envolvidas na asma.
O objetivo deste artigo é justamente discutir sobre a inflamação tipo 2 na DPOC, estudos que envolvem terapias biológicas alvo para este perfil de pacientes e as perspectivas futuras neste tema.
Vias moleculares e células envolvidas na inflamação tipo 2
A inflamação tipo 2 tem como ação primária o combate a parasitas extracelulares, manutenção da homeostase e proteção contra a injúria de agentes alérgenos e outras. Esta é composta por eosinófilos, mastócitos, basófilos, linfócito Th2, célula inata tipo 2 e linfócitos que produzem IgE.
O processo inicial ocorre após injúria da mucosa gerando liberação a partir do epitélio as alarminas (TSLP – linfopoietina estromal tímica, IL-33 e IL-25). Estas ativam fibroblasto, estimulam células dendríticas e principalmente levam a ativação das células efetoras (linfócitos Th2, mastócitos e células inatas tipo 2) que amplificam a resposta inflamatória. Estas, por sua vez, e em destaque a célula inata tipo 2, linfócitos Th2 e eosinófilos produzem IL-4, IL5 e IL-13.
Esta inflamação de forma crônica acarreta alterações estruturais, aumento de produção de muco e plug, remodelamento vascular, dano na troca gasosa e hiperresponsividade da via aérea.
Destacando-se o eosinófilo, esta célula além de efetora também é um biomarcador na resposta terapêutica ao corticóide em pacientes portadores de DPOC. Este conceito também se estende ao corticóide inalatório. Quando se trata de eosinófilo sérico, apesar de ainda em debate, considera-se o valor de 300 células / µL como preditor de resposta ao corticóide inalatório em pacientes com DPOC. A maioria dos pacientes com DPOC apresentam eosinófilos em torno de 150 células / µL. Raramente apresentam acima de 500 células / µL.
Eosinófilos não são células residentes na via aérea. São produzidas na medula óssea a partir do estímulo de IL-3, fator de crescimento de granulócito e principalmente de IL-5. Esta última também participa da maturação e carreamento desta célula até os tecidos. Esta última junto a IL-4, IL-13. Os eosinófilos permanecem nos tecidos por 2-5 dias podendo prolongar este tempo por ação da IL-5 e morrem dentro do próprio tecido.
O conceito de DPOC eosinófilco surge do fato de pacientes com DPOC e eosinófilos acima de 300 células / µL responderem melhor a corticóide inalatório e também apresentarem risco aumentado de exacerbações quando comparado aqueles com valores mais baixos de eosinófilos especialmente naqueles pacientes ex-tabagistas. Importante, entretanto, destacar que o valor do eosinófilo sérico não se correlaciona de forma acurada com o valor de eosinófilo na via aérea.
Em relação a citocinas de inflamação tipo 2 destacam-se IL-4 , IL-13 , IL-5 e eotaxinas. Elas muitas vezes trabalham de forma sinérgica, porém cada uma delas tem outras funções específicas representadas em resumo no quadro abaixo. Na tentativa de reduzir o processo desenfreado de inflamação T2 em pacientes com doenças T2 relacionadas surgem algumas citocinas regulatórias como a IL-10 e outras citocinas da imunidade T1 como Il-8 e INF gama.
Resumo das ações das principais interleucinas T2
Interleucina 4 | Promover a diferenciação de células T naive em células Th2 e promover a produção de IgE pela células. Contribui para o recrutamento de células Th2 , células B e mastócitos. |
Interleucina 5 | Crucial para a produção e maturação dos eosinófilos |
Interleucina 13 | Induz a síntese de IgE pelas células B , contribui para aprodução de muco , recrutamento de células inflamatórias e remodelamento de pequenas vias aéreas. |
Traços tratáveis da inflamação tipo 2
Eosinófilos –
Atualmente uma terapêutica bastante utilizada na asma em pacientes com perfil eosinofílico são os biológicos que atuam na IL-5 seja o mepolizumabe (anti IL5) ou benralizumabe (anti IL5R). Entretanto, em pacientes portadores de DPOC os resultados com anti-IL5 não foi o esperado. Nos estudos com benralizumabe e mepolizumabe não foi demonstrada redução de exacerbação em pacientes com DPOC perfil exacerbador. Entretanto, um estudo com mepolizumabe demonstrou redução significativa de exacerbações no subgrupo de pacientes com eosinófilo acima de 300 células / µL nos últimos 12 meses. Apesar dos resultados ainda não serem assertivos para a utilização destas medicações na prática para pacientes com DPOC eosinofílico diversos estudos se encontram em fase 3 testando a hipótese principalmente da redução de exacerbação em pacientes com história de exacerbação frequente e eosinófilos acima de 300 células / µL. Os resultados dos estudos tanto com mepolizumabe quanto com benralizumabe devem estar disponíveis em breve.
Alarminas –
Conforme já dito acima, as três principais alarminas sâo TSLP, IL33 e IL25. Apesar das suas funções ainda não serem plenamente entendidas sabemos que eleas tem um papel extremamente importante de envolver receptores quimiotáticos e receptores de padrão de reconhecimento de injúria mobilizando toda a cascata imunológica T2.
A IL-25 é uma citocina da família da IL-17 e das três é menos compreendida ainda. Neste momento não há em curso nenhum estudo de anti-IL25 para DPOC.
Por outro lado, a IL-33 é uma alarmina muito mais compreendida e protagonista de diversos estudos. Esta é componente da família da IL-1 e se liga a um complexo receptor formado por componente ST2 e outro pela IL-1RAcP. A ligação do IL-33 ao seu receptor desencadeia ações pró inflamatórias e transcrição via NF-kB.
A função primária da IL-33 na imunidade tipo 2 é inclinar a polarização da célula T em direção a células T2 incentivando a célula inata tipo 2 a produzir IL-5 e IL-13.
Uma das estratégias de frear a sinalização da IL-33 é atuando no componente ST2 do seu receptor. O astegolimab é um biológico anti-ST2. Estudo em fase 2a de centro único (COPD-ST2OP) que avaliou o astegolimab em pacientes portadores de DPOC não demonstrou redução significativa das exacerbações em 1 ano em pacientes com DPOC moderado a grave, mas apresentou discreta melhora na qualidade de vda avaliada por questionário Saint George. Um dado interessante é que o astegolimabe reduziu eosinófilos tanto séricos quanto de via aérea.
Uma outra estratégia para reduzir inflamação via IL-33 é utilizar um biológico que atue diretamente na IL-33 como o Itepekimabe. Estudo de fase 2 avaliou pacientes portadores de DPOC com exacerbações frequentes. Entretanto, não houve redução das exacerbações após 1 ano de estudo, porém apresentou aumento de 60 mL no VEF1 pré broncodilatador. Em uma análise estratificada foi observada redução da exacerbação em torno de 40% e aumento do VEF1 pré broncodilatador de 90 mL em média em pacientes ex-tabagistas quando comparado ao grupo placebo. No grupo de tabagistas ativos não foi observado nenhum benefício. Uma possibilidade para esta explicação é estatística, porém uma outra teoria com base na própria Il-33 poderia estar justificando essa diferença entre tabagistas ativos e passivos. A teoria seria que o tabagismo reduziria a expressão de IL-33 pelas células epiteliais tornando estes menos responsivos a terapia anti-IL33. Esta teoria ainda é controversa dado que outros estudos demonstram que o tabagismo poderia por outro lado aumentar a expressão de IL-33 nas células epiteliais. Diante destes resultados e destas teorias ainda a serem melhor elucidadas a terapia com anti-IL33 é ainda é uma promessa que será melhor entendida após os resultados dos estudos em andamento que devem ser divulgados em breve.
A terceira alarmina é a TSLP que também seria um possível alvo no tratamento dos pacientes portadores de DPOC. A TSLP se liga ao receptor de TSLP (TSLPR) que é composto pelo componente IL-7Rɑ e outro componente de cadeia TSLPR. Esta ligação desempenha um papel crucial na imunidade T2 desencadeando toda a resposta inflamatória atuando na ativação de células efetoras e produção de interleucinas. Tezepelumabe é um biológico anti-TSLP já em uso nos pacientes com asma grave. Está sendo avaliado em estudo fase 2 em pacientes DPOC com perfil exacerbador. Os resultados devem ser divulgados em breve.
IL-4 e IL13 –
IL-4 and IL-13 são interleucinas com grande participação na inflamação tipo 2 e inclusive partilham um de seus receptores. No momento existem quatro biológicos em desenvolvimento para atuação direta na IL-13 (tralokinumab , lebrikizumab , cendakimab e eblasakimab). Este último também inibe a IL-4. Os resultados na asma grave não foram animadores. Dada a relação da IL-13 com o biomarcador FeNO e considerando este caracteristicamente baixo em pacientes com DPOC é improvável que os anti-IL13 apresentem resultados satisfatórios em pacientes DPOC.
Uma estratégia que apresenta um racional mais interessante é utilizar como alvo a via IL-4 /IL-13. O dupilumabe é um biológico que atua justamente nesta via inibindo o receptor alfa da IL-4. Desta forma, inibe tanto IL-4 quanto IL-13. Esta medicação vem sendo utilizada em pacientes com asma grave. Em DPOC foi elaborado o estudo BOREAS que avaliou pacientes com eosinófilo acima de 300 células / µL e alto risco de exacerbação já em uso de terapia tripla. A dose de 300 mg a cada 14 dias demonstrou redução significativa em 1 ano de risco de exacerbação em torno de 30% e aumento de VEF1 em torno de 80 mL. Demonstrou ainda redução de sintomas e melhora da qualidade de vida. Como esperado, o valor do FeNO reduziu após uso de Dupilumab. Estes dados foram agora replicados em outro estudo fase.
A dúvida neste momento é porque apenas o anti IL4R obteve resultados positivos até o momento em pacientes portadores de DPOC. Diversas teorias poderiam explicar este achado. A primeira é que a inflamação T2 na asma é diferente da encontrada na DPOC e que o eosinófilo sérico não corresponde ao eosinófilo pulmonar na DPOC. A participação de outras células tem papel importante diferente da inflamação T2 na asma onde o eosinófilo é um dos personagens principais. Segundo que a inflamação T2 é complexa e redundante talvez necessitando de duas interleucinas sendo bloqueadas. Terceiro que a inflamação T2 na DPOC é complexa e ainda pouco entendida e talvez seja necessária inibir mais de uma via. Quarto seria um erro dos estudos em não elencar pacientes com perfil mais eosinofílico como o BOREAS elencou.
Conclusão
A inflamação na DPOC é distinta e composta principalmente por linfócitos, macrófagos e neutrófilos. Eosinófilos são muito menos proeminentes em DPOC quando comparada a asma. O eosinófilo sérico não se correlaciona com o eosinófilo pulmonar fazendo com que o próprio eosinófilo não seja um bom guia para determinar presença de inflamação T2. Desta forma, necessitamos avaliar melhor terapias que tenham o eosinófilo como alvo na DPOC. Com o recente sucesso apresentado pelo Dupilumab as perspectivas de atuar na IL4, IL13 e outras interleucinas como a TSLP são animadoras.
Dada a importância da DPOC e seus números em relação a mortalidade em todo o mundo o melhor entendimento das vias T2 e não T2 urge para que novas terapias sejam desenvolvidas para trazer benefício tanto para os pacientes que tenham inflamação T2 quanto aqueles com inflamação não T2.
Dr. Thiago Prudente Bartholo – Professor Adjunto de Pneumologia da UERJ