Entidades médicas fazem apelo à Anvisa contra cigarro eletrônico

Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro

Profissionais de Saúde

Publicado em 10 maio 2022

Entidades médicas fazem apelo à Anvisa contra cigarro eletrônico


Agência coleta evidências sobre dispositivo, vetado desde 2009; especialistas veem danos semelhantes aos do cigarro comum.

Representantes de quase 50 entidades médicas brasileiras divulgaram um documento nesta segunda (9) para alertar sobre os problemas de saúde que o uso de cigarros eletrônicos pode trazer.

Eles defendem a importância de se manter a proibição desses produtos no momento em que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) coleta novas informações técnicas sobre eles. “Os cigarros eletrônicos não podem reverter décadas de esforços da política de controle do tabaco no Brasil”, diz o documento, apresentado em um evento online que debateu o tema.

Chamados oficialmente de DEF (Dispositivos Eletrônicos para Fumar), os cigarros eletrônicos são proibidos no Brasil desde 2009 por meio da Resolução de Diretoria Colegiada n° 46 da Anvisa.
Em 2019, a agência voltou a discutir o assunto para possível atualização das normas adotadas. Atualmente, a Anvisa tem uma TPS (Tomada Pública de Subsídios) em aberto, para a qual qualquer pessoa pode enviar evidências científicas relacionadas ao assunto.

Uma eventual decisão sobre a liberação do produto, porém, precisa ser tomada pela diretoria colegiada do órgão. Embora ilegais, esses dispositivos são facilmente encontrados no país.

Além de defender que a agência mantenha a proibição, as entidades pedem medidas mais rigorosas para fiscalização e punição de quem viola a norma. Argumentam que, “de forma sorrateira”, a indústria do tabaco apresenta os produtos como uma alternativa de “redução de danos” para os fumantes.

Os especialistas dizem que os cigarros eletrônicos não representam o fim do tabagismo, mas uma simples substituição dos cigarros tradicionais com malefícios parecidos.

“Estudos científicos mostram que o uso dos DEFs, tanto agudo como crônico, está diretamente ligado ao surgimento de várias doenças respiratórias, gastrointestinais, orais, entre outras, além de causar dependência e estimular o uso dos cigarros convencionais”, escrevem as entidades.

Segundo Aristóteles Alencar, representante da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia), uma das entidades que organizaram a carta, o cigarro eletrônico também está associado a maiores riscos de problemas cardiovasculares. “O equipamento gera partículas que caem na corrente sanguínea, causando inflamações e eventos cardiovasculares”, explica.

 

PREOCUPAÇÃO COM OS JOVENS

No posicionamento, as associações destacam a preocupação com o aumento do consumo desses produtos especialmente entre os jovens.

Eles citam os resultados da Pense (Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar), que em 2019 observou os índices de experimentação do produto em adolescentes. No Centro-Oeste, que registrou os maiores percentuais, a taxa de uso chegou a 24% entre os estudantes da rede privada.

Sabrina Presma, representante da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas), diz que estudos mostram que a inclusão de sabores nos produtos aumenta a incidência do uso deles entre os mais jovens.

“Os fumantes de cigarro eletrônico têm duas a quatro vezes mais chances de virarem fumantes de cigarros convencionais no futuro. Além disso, fumar cigarro eletrônico aumenta em cinco vezes a chance de o jovem ou adolescente se tornar usuário de maconha”, acrescenta.

O documento menciona ainda a Evali (doença pulmonar associada ao uso de produtos de cigarro eletrônico, na sigla em inglês) como exemplo de malefício desse consumo. Nos Estados Unidos, 68 pessoas já morreram pela doença, com uma idade média de 24 anos, apontam as entidades.

“O papel [das sociedades médicas] é entregar as evidências científicas para a Anvisa comprovando os malefícios do cigarro eletrônico e depois aguardar os próximos passos da agência”, diz Ricardo Meireles, representante da AMB (Associação Médica Brasileira).

A Folha entrou em contato com a Anvisa para comentar, mas a agência não respondeu até a publicação desta reportagem.

 

O QUE DIZEM AS EMPRESAS

Em nota, a BAT Brasil (British American Tobacco, antiga Souza Cruz) diz que os cigarros eletrônicos “não são produtos isentos de risco”, mas “oferecem menos risco que os cigarros tradicionais”.

“Tanto no Brasil, quanto no exterior, há associações, médicos e cientistas advogando também em favor da regulamentação desses produtos como uma estratégia efetiva de saúde pública”, afirma.

Para a empresa, no país, “a proibição não tem inibido o consumo, deixando os consumidores expostos aos produtos comercializados ilegalmente”.

Alessandra Bastos, consultora da BAT Brasil, farmacêutica e ex-diretora da Anvisa, diz que existem “evidências científicas que embasaram várias autoridades sanitárias ao redor do mundo”, como Canadá e Reino Unido, para que os produtos sejam fabricados seguindo um critério sanitário.

Bastos argumenta, por exemplo, que a Evali não é causada necessariamente por cigarros eletrônicos, mas pelo fato de que os usuários adulteraram as misturas colocadas nos vaporizadores, ocasionando a complicação.

Essa prática, segundo ela, reforça a necessidade de necessidade de regularizar o equipamento no Brasil de modo a evitar situações como essas.

A Philip Morris afirma que seu produto consiste em tabaco aquecido e que “todos os documentos apresentados ao órgão regulador demonstram a diferença entre esse dispositivo e os cigarros eletrônicos comercializados ilegalmente no Brasil”. Por meio de sua assessoria de imprensa, a companhia diz ainda que a ausência de combustão e de fumaça reduz em até 95% a quantidade de compostos tóxicos na comparação com o cigarro comum.

Já a JIT (Japan Tobacco Internacional) diz que a proibição no Brasil vai na contramão do que ocorre no mundo e contribui para crescimento do contrabando e do comércio ilegal. “Vale lembrar que hoje o uso desses produtos já é corrente —e crescente, abastecido por produtos de origem 100% ilegal, sem qualquer controle sanitário. Também a regulamentação vigente não tem se mostrado efetiva, visto que não há fiscalização que consiga coibir a comercialização e o uso desses produtos”, afirma.


Fonte: Jornal/Portal Folha de S. Paulo – 10/05/2022

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