Publicado em 12 ago 2024
FACE study: 2-year follow-up of adaptive servo-ventilation for sleep-disordered breathing in a chronic heart failure cohort
Título do Estudo
FACE study: 2-year follow-up of adaptive servo-ventilation for sleep-disordered breathing in a chronic heart failure cohort
Fonte
Sleep Medicine 113 (2024) 412-421. DOI: 10.1016/j.sleep.2023.07.014
Introdução
A insuficiência cardíaca (IC) é uma doença heterogênea, com elevada morbimortalidade global, associada a sintomas incapacitantes e má qualidade de vida. Pacientes com IC frequentemente apresentam distúrbios respiratórios do sono (DRS), como apneia central (ACS) e apneia obstrutiva (AOS), que pioram seu prognóstico.
O estudo FACE avaliou os efeitos da servoventilação adaptativa na morbidade e mortalidade de uma população heterogênea de pacientes com IC de diferentes etiologias e gravidade, e diferentes fenótipos de distúrbios respiratórios do sono. No estudo FACE de 3 meses de seguimento, os pacientes foram categorizados em 6 grupos distintos, baseados em parâmetros relacionados com a IC e características do DRS, resultando em fenótipos clínicos com diferentes prognósticos. A análise atual utilizou o seguimento de 2 anos para determinar se os efeitos da servoventilação adaptativa foram diferentes entre esses grupos de pacientes.
Métodos
O estudo multicêntrico, prospectivo e observacional FACE foi conduzido em 28 centros na Europa de novembro de 2009 a setembro de 2018.
Os pacientes elegíveis apresentavam ICFEr (IC com fração de ejeção reduzida), ICFEmr (IC com fração de ejeção moderadamente reduzida) ou ICFEp (IC com fração de ejeção preservada) conforme definições atuais da Sociedade Europeia de Cardiologia, com predominância de ACS, ACS-AOS coexistente não controlada por pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP), ou AOS com ACS emergente durante o tratamento com CPAP, sem contraindicações para terapia com pressão positiva nas vias aéreas.
Todos os pacientes elegíveis foram tratados com servoventilação adaptativa. A terapia foi iniciada no hospital, com ajuste das configurações de pressão baseado no monitoramento respiratório, instruindo os pacientes a utilizar o dispositivo por ≥ 5 horas todas as noites. Os participantes foram divididos em dois grupos no acompanhamento de 3 meses: o grupo servoventilação adaptativa incluiu aqueles que usaram a terapia por mais de 3 horas de sono por dia, enquanto o grupo controle consistiu em pacientes que recusaram, interromperam o tratamento antes ou não tiveram adesão a terapia no acompanhamento de 3 meses. Visitas de acompanhamento clínico foram realizadas pelo menos a cada 6 meses até 2 anos de seguimento, com avaliação do status funcional (baseado na classificação da NYHA), Escala de Sonolência de Epworth (ESE) e questionário de qualidade de vida (Minnesota Living with Heart Failure Questionnaire).
O desfecho primário foi o tempo até o primeiro evento, sendo eles: morte por qualquer causa, necessidade de intervenção cardiovascular ou hospitalização não planejada (ou prolongamento não planejado de hospitalização planejada) devido à piora da IC crônica. Os desfechos secundários incluíram os mesmos critérios do desfecho primário, substituindo morte cardiovascular por morte por qualquer causa, e substituindo hospitalização não planejada por hospitalização por qualquer causa não planejada.
Resultados
A avaliação dos DRS foi realizada em 509 pacientes com indicação de servoventilação adaptativa, dos quais seis foram excluídos; 324 permaneceram no estudo no seguimento de 2 anos.
Os dados de seguimento de dois anos do estudo FACE mostram que mais da metade de todos os pacientes com IC crônica e DRS se beneficiaram da servoventilação adaptativa, com melhora significativa da sobrevida livre de eventos primários em comparação com o grupo controle.
Os benefícios variaram entre os diferentes fenótipos de pacientes, com alguns grupos mostrando maior benefício em relação a eventos cardiovasculares e mortalidade.
O uso da servoventilação adaptativa foi associado a reduções significativas na morbidade e mortalidade nos grupos de pacientes 4 e 5 (pacientes mais velhos, do sexo masculino, com maior carga hipóxica, obesos, hipertensos, com ICFEmr e coexistência de ACS e AOS); assim como no grupo 6 (idosos, predominantemente do sexo masculino, com maior carga hipóxica, e ICFEp e AOS). No entanto, esse benefício no prognóstico não foi identificado nos pacientes dos grupos 1 e 2 (aqueles com maior classe funcional NYHA, ICFEr, menor IMC, dispositivo cardíaco implantado e/ou tabagistas, e ACS ou AOS) e grupo 3 (aqueles com maior idade, ambos os sexos, e com ICFEmr e DRS de grau leve). Os pacientes nos grupos 4, 5 e 6 (grupos que se beneficiaram da terapia) mostraram as maiores taxas de adesão da servoventilação adaptativa, sendo 91,9%, 91,6% e 100%, respectivamente.
Conclusões
O estudo FACE destaca a heterogeneidade da apresentação clínica da sobreposição de IC e DRS, ressaltando que o impacto do tratamento com servoventilação adaptativa no desfecho clínico varia de acordo com o fenótipo do paciente. Este estudo confirma que pacientes com ICFEr ou pacientes idosos com DRS de grau leve não obtêm benefício na mortalidade com o tratamento com servoventilação adaptativa. Por outro lado, o uso da servoventilação adaptativa em pacientes com elevada carga hipóxica (ACS ou AOS não controlada) e aqueles com ICFEp e DRS foi associado a uma redução significativa de eventos cardiovasculares e mortalidade.
Limitações do Estudo
Estudo não-randomizado.
O número total de pacientes em alguns grupos foi pequeno, limitando o poder estatístico.
O uso (ou não) da servoventilação adaptativa foi baseado na decisão do paciente e isso pode estar associado a outros fatores com interferência no desfecho da doença, como hábitos saudáveis e adesão a outras modalidades terapêuticas.
Mensagens do Artigo
A avaliação clínica de pacientes com IC deve incluir identificação e caracterização dos distúrbios respiratórios do sono com abordagem individualizada e fenotipagem para garantir o uso da servoventilação adaptativa em pacientes com benefício prognóstico.
Vanessa Luz é pneumologista, especialista em Medicina do Sono, médica do Serviço de Pneumologia do HFCF