Publicado em 22 out 2020
Sobre Médicos e Empatia é o texto da Dra Margareth Dalcomo publica em O Globo por ocasião do Dia do Médico
“A linguagem atual de cuidados paliativos, direito à morte digna, evitar-se tratamentos não resolutivos que perduram a vida sem qualidade, resgata os conceitos mais verdadeiros de cuidado e de solidariedade humana, aliados às mais sofisticadas práticas científicas e da bioética”
Sobre Médicos e Empatia
Costumamos receber cumprimentos pelo Dia do Médico, todos os anos, em gestos de gratidão de clientes, reconhecimento de famílias e amigos, menções a São Lucas, o evangelista médico, orações específicas, citações de grandes médicos do passado e do presente, e assim nos gratificamos, em nosso ininterrupto fazimento pessoal e coletivo.
Neste ano, uma doce enxurrada de centenas de mensagens, desde as protocolares institucionais, hoje mais calorosas e estimulantes, até as de profunda simpatia entre colegas e pacientes, a reiterar o fato a que já aludimos, de nossa real aproximação com a sociedade, neste período de pandemia, no modo pelo qual passamos a ser mais presentes no imaginário dos que nos ouvem, lêem ou assistem. É assim alentador nos lembrar da grande antropóloga cultural Margaret Mead, que ao descrever o que consideraria os primórdios da civilização humana, se baseou no princ&iacut e;pio da empatia e do cuidado com o outro, a propósito do achado de um fêmur fraturado e cicatrizado de há 15 mil anos. Naquele tempo, em que não poder andar seria igual à morte, para que isso ocorresse, só com o socorro de outros pares, portanto “ajudar alguém durante a dificuldade é onde começa a civilização de verdade”.
Magia, religião, medicina sempre andaram muito próximas, em momentos de paz e de guerra, desde os mais remotos tempos na história do homem, aí se agregando as chamadas medidas terapêuticas empíricas, desde plantas e ervas medicinais e, fenômenos naturais como protagonistas de causa-efeito, até ritos religiosos, como medidas curativas ou de conforto. Hoje, na ordem do dia, e sem contradição explícita, estão as melhores reflexões sobre o papel da espiritualidade na saúde, inclusive numa saudável e biunívoca relação méd ico paci ente. A linguagem atual de cuidados paliativos, direito à morte digna, evitar-se tratamentos não resolutivos que perduram a vida sem qualidade, resgata os conceitos mais verdadeiros de cuidado e de solidariedade humana, aliados às mais sofisticadas práticas científicas e da bioética. Nesse sentido, buscamos respostas na melhor ciência e na tecnologia, na cultura e até na arte, como um arcabouço absolutamente necessário à reorganização de nossas vidas nesse tempo em que fomos atingidos por uma epidemia de alcance universal e sobretudo sabedores de que outras poderão advir.
François Gros, secretário perpétuo honorário da Academia Francesa de Ciências em seu “Memórias científicas, meio século de biologia” publicado em 2003, nos dá um relato denso de quem viveu literalmente um quadro de grandes eventos desde a França ocupada na Segunda Guerra, o Instituto Pasteur onde trabalhou no laboratório de genética molecular e sua relevância no fim dos anos 40, entre outros marcos, já anunciava, com grande propriedade que, de par com a ciência sempre vencedora, seria necessária uma reconvers ã o de grande envergadura para vencer a ganância e sobretudo a ignorância, tão facilmente convertida em culto, quando ausente está a educação, a que forja a capacidade crítica de separar o verdadeiro do falso, e a barbárie da civilidade. Em tempos de medicina baseada em evidência, e de vencer o medo, atualíssimo.