Vape: uma cortina de fumaça

Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro

Profissionais de Saúde

Publicado em 15 set 2022

Vape: uma cortina de fumaça


Por Paulo Hoff, oncologista, diretor de Oncologia da Rede D’Or. Publicado no jornal O Globo.
Além de ser porta de entrada e incentivo para o cigarro comum, o dispositivo é associado a doenças respiratórias

O tabagismo tem o questionável título de maior fator de risco evitável para o câncer e mortes em todo mundo. Esse problema tem sido uma preocupação constante dos órgãos de saúde há décadas e, infelizmente, ainda está longe de uma solução definitiva. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), anualmente cerca de 8 milhões de pessoas morrem vítimas do tabaco. Dessas, mais de 7 milhões associam-se ao uso direto da substância, e o restante, são não-fumantes expostos ao fumo. Apesar dos números alarmantes, após um longo período de redução, o tabagismo volta a crescer, principalmente entre os jovens.

Conhecido como vape, ou cigarro eletrônico, essa nova forma de tabagismo vem causando polêmica e preocupação nos últimos anos. Estima-se que um em cada cinco jovens brasileiros entre 18 e 24 anos faz ou fez uso do dispositivo, apesar da comercialização proibida no país desde 2009.

Diferentemente do cigarro, onde há uma queima do tabaco, o vape funciona por meio do vapor. É geralmente um aparelho composto por uma bateria e um reservatório onde fica o líquido a ser aquecido e inalado. Ainda que não contenha o alcatrão e monóxido de carbono dos cigarros tradicionais, o Vape geralmente contém nicotina, uma substância altamente associada à dependência química, e produtos solventes como água, glicerina, propilenoglicol e aromatizantes artificiais, que conferem sabor ao cigarro eletrônico. Esses aromas, inclusive, provocam uma sensação mais agradável ao usuário quando comparado ao cigarro tradicional, mascarando o impacto e os efeitos reais do vape.

Por não estar associado diretamente à queima do tabaco, muitas pessoas acreditam que o vape não seja danoso à saúde, mas essa não é a realidade. Segundo levantamento feito pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), o cigarro eletrônico pode aumentar em até quatro vezes o risco de uso do cigarro convencional. A pesquisa aponta ainda que o vape eleva consideravelmente as chances de iniciar o uso do cigarro tradicional para aqueles que nunca fumaram. Isso vai na contramão das políticas mundiais de saúde pública contra o tabagismo.

Além de ser porta de entrada e incentivo para o uso do cigarro comum, o dispositivo tem sido associado a doenças respiratórias, como pneumonia, fibrose pulmonar, e enfisema pulmonar. O fumo tradicional, que pode ser estimulado pelo vape, está ligado a cerca de 50 tipos de enfermidades. No caso de doenças oncológicas, mais de 30% das mortes por câncer atualmente são associadas a tumores ligados ao tabagismo.

Outra descoberta recente relacionada ao cigarro eletrônico é uma doença pulmonar denominada Evali (E-cigarette or Vaping product use Associeted Lung Injury). Descrita pela primeira vez em 2019, nos Estados Unidos, os cientistas americanos mostraram que substâncias utilizadas nos dispositivos podem afetar diretamente os pulmões, causando uma reação inflamatória grave no órgão. A Evali, quando agravada, pode provoca pneumonia, fibrose pulmonar e insuficiência respiratória.

Em um mundo globalizado, onde a disseminação de informações sobre saúde e prevenção de doenças é rápida e constante, nos deparamos agora com um novo modismo potencialmente perigoso para o nosso organismo. O mais preocupante é que seu uso se faz presente em sua esmagadora maioria entre os jovens, o que nos faz andar na direção oposta ao ideal. Para efetivamente eliminarmos o tabagismo, é preciso entender que, seja qual for a forma da apresentação, o uso destas substâncias está associado ao risco de doenças graves. Lutar contra algo evitável depende do interesse e esforço de cada um. O ganho na qualidade e tempo de vida certamente compensa!

Link da matéria: https://oglobo.globo.com/blogs/receita-de-medico/post/2022/09/vape-uma-cortina-de-fumaca.ghtml

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